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A pouca luz penetrava a sala de forma disforme, enquanto um homem gritava irado em seu centro, com seus cachos amarronzados caídos sobre os ombros.

-Isso não é justo, eu sou um Kluterz por direito. Sou um nobre e...

O homem apontou o dedo para o menino loiro que apenas estava sentado, calmamente, lendo um livro ao lado de uma menina de cabelos castanhos muito bem vestida com vestes pretas.

-E ele... Ele é um humano!

Gritou em tom acusatório, quase indo para cima de um terceiro homem de expressão tranqüila e longos cabelos chocolate.

-Murtagh, eu até posso permitir que seja o líder, por ser da primeira família e de sangue puro. Mas essa criança como herdeiro? Ela pode ter esse cheiro, mas não tem nosso sangue... Ele é um maldito pedaço de bife... e

E aquele discurso continuou por cerca de um minuto sem interrupções. Talvez os outros membros do segundo ramo do clã também se sentissem injustiçados, já que não paravam de gritar insultos sem fim. Imagine. Ter um humano como futuro líder. Aquilo era um ultraje maior que todos e se Murtagh achava que podia mandar ou desmandar por causa do seu pai ter sido o último líder do primeiro ramo do clã, ainda assim, eles não iriam aceitar. Não essa humilhação. E ainda assim...

O puro sangue mantinha-se em silêncio sepulcral.

-Ei, velho maldito, pelo menos se manifeste, nós...

Paul já começava a ficar com raiva enquanto soltava insultos. Se havia algo que odiava era ser ignorado. Se havia algo pior ainda, era ser subjugado por alguém que não tinha direito de sangue, como ele dizia orgulhosamente ter. Mesmo sendo de um ramo mais baixo, com o sangue misturado ao dos humanos.

-Nós não vamos aceitar que essa criança de sangue fraco nos lidere. Além disso...

O vampiro tirou uma espécie de medalhão do pescoço, mostrando uma insígnia em seu centro.

-Isso significa que, na ausência de herdeiros de puro sangue, eu sou o próximo na linha de sucessão desse clã. Regras são regras, e o medalhão é meu.

O puro sangue mal se moveu, apenas tomando um gole de uísque sem expressão.

-Sangue fraco... Hmm...

Ele olhou tudo aquilo pensativo, então dirigindo o olhar para o menino loiro.

-Will, querido, pode se aproximar um instante, por gentileza Solicitou Murtagh com voz calma e serena.

E, conforme o ordenado, o menino se levantou do sofá com uma reverência e expressão alguma indo para o centro do salão. Murtagh deu um sorriso quase paternal quando o menino se aproximou, tomando outro gole. -Esse senhor diz que tem o sangue fraco demais e por isso não posso nomeá-lo meu herdeiro. Will apenas encarou o puro sangue por momentos, deixando seu olho arroxeado cruzar com o dele, em concordância, encarando Paul.

-O senhor líder do clã, tem mais soberania do que um medalhão cerimonial, senhor... Além disso, questionar o seu líder e soberano é um crime temível, punível por morte desde a fundação de nosso clã.

Falou ele sem piscar e com voz fria, enquanto seus longos cabelos loiros caiam sobre seus olhos em calmaria e tranquilidade, que não era compartilhada com Paul. O vampiro estava furioso, infame e humilhado, queria vingança e.. Suas mãos se esticaram em direção a Will, iria matá-lo ali, iria acabar com ele e..

Mas nada aconteceu. Tudo o que sentiu nos segundos seguintes foi dor enquanto o menino havia se movido um passo, como em um soco na barriga. Mas não com as mãos, e sim com garras feitas de um sangue tão negro que pareciam sombras. E depois da queda, o corpo começou a se liquefazer, aos poucos até que seus gritos de desespero cessassem, aos poucos até que todo o seu ser se transformasse em pó, sangue negro espalhado e um medalhão sujo.

-Atacar alguém em uma sala de jantar para chatear a vida de seu soberano também é um crime punível com morte.

Completou em fim, jogando o medalhão na mão de Murtagh e voltando a sentar em seu lugar e com seu livro, enquanto Eliot se apressava para limpar a bagunça com rapidez. E Junes apenas se espreguiçava, quase dormindo em um sofá.

-Esse ai era barulhento. É uma pena, no entanto, que a fortuna goste mais da calma.

-Calma como a que você tem para negligenciar suas obrigações? - A vampira sentada perguntou, levantando os olhos para o primo.

-Calma que eu tenho para interpretá-la com meu dom, minha querida Junniper. -Ele respondeu em um longo bocejo, enquanto Murtagh olhava em desagrado para os restos do vampiro morto.

-É uma pena, que ele tenha sido tão desrespeitoso, pretendia mandá-lo para a Cross com Will. Era um bom guardião.

-Poderia me mandar para a Cross com Will também, estou de saco cheio com essa casa e as piadas de Jun. -Reclamou a menina, arrumando seu laço cuidadosamente colocado.

-Não. Ele não pode mandar dois herdeiros de uma vez. -Junes retrucou.

-Claro que pode, seria bom para nossa visibilidade pelo conselho e...

Will finalmente se moveu, fechando o livro.

-Vovô prefere não ter a visibilidade de um puro sangue pelo conselho nesse tipo de assunto...

-Como se com você isso fosse muito diferente... -Tentou refutar Junniper, mas suas palavras logo foram interrompidas por Murtagh.

-Ele está certo, não escondi o nome Fallneaves por anos, por nada, Will...

O puro sangue se levantou, indo até eles.

-Quero que se comporte na Cross e não faça nada extraordinário ou fora dos planos a não ser se lhe for solicitado ou esteja em perigo, me entendeu?

-Sim. Vovô. Farei como me foi ordenado.


E foi assim que eu fora parar naquele lugar. Academia Cross, a grande e nostálgica escola onde toda aquela confusão tinha se iniciado. Um belo lugar realmente, mas que talvez me trouxesse um pouco de nervosismo, enquanto entrava acompanhado de Elliot. Ah sim, esqueci. Aquela fora a exigência de vovô para minha segurança. Que fosse acompanhado pelo level C, mesmo que estivesse na turma do dia. Estranho para um humano? Talvez nem tanto. Ser idêntico a um puro sangue e ter o mesmo cheiro e beleza que ele talvez fosse o mais bizarro, principalmente sabendo que meu ‘irmão gemeo’ estava na turma noturna enquanto eu usava vestes azuis escuros.

-Espero que vovô consiga o que quer.

Falei em tom calmo, ajustando minhas roupas e cabelo, antes de entrar no enorme auditório tão conhecido, e emanando aquele cheiro. Um sangue tão doce quanto o do sangue puro com quem compartilhava a aparência e o DNA, e por que não igual? Mas mais mortal do que muitos venenos que conheciam.

Haviam olhares, atenções, e talvez estranhamento pela minha aura leve e calma. Meu sósia provavelmente já passara por ali e saia. E a frente, só me faltava escolher uma cadeira. Ou não, já que logo meu olhar encontrou o de outra pessoa. A ruivinha, Lohanne, com quem costumava andar há muito tempo.

- Senhorita Lobanova... É bom vê-la por aqui

Chamei em um tom formal, com um sorriso menos envergonhado e mais contido que o normal. Havia calmaria e tranquilidade em meu olhar, mas ainda assim era um pouco estranho. Principalmente porque meus olhos agora tinham coloração violeta. O mesmo violeta do outro. Discretamente, também acenei para o vampiro que a acompanhava.

++Will++

Minha entrada talvez não tivesse sido tão anônima como vovô esperava. Mas o que podia fazer? Cheirava como um puro sangue, parecia um puro sangue, estava de azul e ainda era o polêmico herdeiro do clã Kluterz, muito embora essa último fato não fosse muito divulgado.  Com certeza não era um entidade comum, mesmo que fizesse o possível para parecê-lo.

-Sim, sou...

Comecei a falar com calmaria, então parando repentinamente, quando outra voz idêntica à minha surgiu em provocação. Charles. Meu suposto irmão com quem tinha conversado poucas vezes, um sorriso então aumentou em minha face, ao mesmo tempo que a mínima possibilidade de não ser notado sumira.

-Charles, também é bom te ver... Estávamos preocupados com sua ausência depois da última vez...

Comecei a falar, apenas acenando-lhe com uma reverência formal.

E que incidente fora. O seu velho avô havia convidado Charles para conversar quase um ano antes, e tivera nada menos do que uma chuva de insultos inacabada em sua porta. Desde então, talvez tivesse o procurado e vigiado algumas vezes, nunca, no entanto, sendo tão incisivo quanto na primeira vez.

Charles não queria interferências do velho em sua vida. E eu o havia notado. Somando isso a uma careta de desagrado que poderia ver em sua face, enquanto virava a cara, retornando para a saída do auditório com um xingamento contido e sem perder a postura elegante. Apesar de tudo, não podíamos ser mais diferentes,

-Tudo é possível nesse mundo, senhorita Lohanne, embora nem eu consiga entender direito o que aconteceu nos últimos dois anos.

Nem nos outros. Mas era melhor não falar. Tudo o que sabia era que era diferente, e tinha uma espécie de magia atrelada a marca que ganhava em minhas costas. Mas não devia falar sobre isso, muito menos mostrar aquela marca. Nem eu sabia o que significava, e preferia não criar problemas para vovô.

-Ainda sou o Will, mas algumas coisas mudaram em minha vida. Mas acho que todos nós mudamos, você costumava ser mais baixa e agora, nossa, está quase da minha altura.

Dei um sorriso amigável para a menina, lembrando o quanto era baixinha na época. Haviam muitas coisas que haviam mudado afinal...

Um pouco depois, minha atenção se voltou ao vampiro e seu comentário, ao qual apenas fiz uma reverência de cabelo com a mesma aura tranqüila e humana que emanava. Apesar de minha aparência e cheiro.

-Desculpe-me a confusão, senhor... -Usava a mesma linguagem que vovô me ensinava. - Sou Willian James Kluterz, é um prazer conhecê-lo.

Entoei em tom completamente cortes, estendendo-lhe a mão. Sabia que era um nobre? Sim. Estranhamente eu sentia a sua presença. Mas talvez o mais estranho fosse meu sobrenome, aquele estranho sobrenome de uma tradicional família de vampiros noruegueses.

-Embora sinta decepcioná-lo por não ser Charles Lutont. Acho que essa confusão é muito comum, afinal somos muito parecidos, mesmo não sendo gêmeos.

Éramos mais do que gêmeos. Mas era melhor não o mencionar.