Willian James Kluterz (Fallneaves Lutont)

Willian, poderia haver uma criança mais azarada e agourenta do que aquela que nunca teve família? É algo difícil dizer. Mas segundo contam, sua mãe também não era algo natural. Era uma puro sangue, é verdade, a herdeira do esquecido e amaldiçoado clã Fallneaves que, devido à perseguição pela preciosidade de seu sangue único e misturado ao de demônios, acabou sendo escondida com um selamento realizado pelo próprio pai. O que, infelizmente, fez a cair em desgraça.

Era bem verdade que a máscara humana escondeu Anne Cecille por anos, mas um arranjo das estrelas fez com que a sina caísse sobre si. Um amor, outro puro sangue e um pouco depois encontrava-se grávida de duas crianças vampiras. Um par de gêmeos que trazia à tona sua natureza, forçando o selo e revelando sua identidade por vezes, mesmo que Arthur Lutont nunca tivesse realmente feito o mínimo esforço para transformá-la.

Sorte ou azar? Talvez fosse o destino lhe empurrando, ou simplesmente outra desventura quando a mulher, ainda grávida, encontrou-se perseguida por alguns caçadores mal encarados que sabiam quem ela era, gritando sobre blasfêmias e anticristo, chamando-a de monstro. Ou ainda como o selo lhe impediu de fazer quase tudo ou lutar, apenas concentrando seus esforços em sobreviver. Ou melhor. Preservar o produto em seu ventre que já estava há algumas semanas de nascer, quando todo seu corpo foi violentamente rasgado, seu coração perfurado e seu útero aberto. Sendo retirada uma das crianças. A mais visível das duas. Deixando a outra para morrer ali no corpo que aparentemente apodrecia.

O nome do primeiro bebê? Nunca chegou a ter. Experimento 675. Gostavam de chamá-lo enquanto crescia, criado entre celas, calabouços e grades. Obediente e quieto. Uma criança sombria e solitária que nunca conhecera o mundo fora do fluxo de pessoas que passavam por si.

Uma verdadeira cobaia que nada nunca questionou ou se revoltou. E que sempre aceitava tudo com a maior tranquilidade, inclusive os diversos exames de sangue que constantemente lhe faziam. -Você está doente, pequeno. Só queremos cura-lo. -Ouvia o homem de jaleco branco lhe falar, apenas concordando sem nenhuma dor, conceito que mal conhecida. Pelo menos até seus doze anos. Quando finalmente lhe tiraram daquele lugar.

Ou pelo menos, ele achou que lhe tiraram. Para onde o levaram? Talvez para um pior. Um laboratório, branco como o homem de jaleco que ia lhe visitar e uma maca de metal, onde fizeram ele se deitar. -Não se preocupe, 675, hoje é um belo dia. Conseguiremos o que queremos, e você vai nos ajudar não é? - Inocente, o pequeno menino de cabelos loiros apenas concordou em silêncio. E então veio a dor e as visões nubladas. Que se repetiram dia após dia, se não por diversos anos.

Experiências, testes e os mais diversos processos dolorosos. Essa se tornou a vida de 675. E, por mais que odiasse, este não conhecia outras coisas e nada falava. Não falava sobre suas sensações, o que passou ou sabia o que era sede. Não reclamava quando abriam seu corpo ou o fechavam. Nem quando os via tirar e levar coisas estranhas. Parte de seus órgãos internos? Não importava. Iam se regenerar não é? Pelo menos até o incidente.

A garota morta, a explosão do laboratório e então o momento em que veio a pior dor e tudo se apagou.

-Você viu o que fez?

-Vamos precisar do outro

-Ah, logo agora que tínhamos quase conseguido a merda da arma.

Essas foram suas últimas lembranças. A última vez que se viu disperto antes que tudo se apagasse de forma completa. É assim como a masmorra onde se encontrava, só houvesse o vazio e mais experiências inexplicáveis. Sangue, vampiros, caçadores. Nada lhe existia mais em mente, a não ser aquele hospital e a solidão onde iam lhe buscar. E também a magreza que, sua cabeça, não conseguia contabilizar direito. Ficou naquele lugar pelos dois próximos anos, sem memória e com diversos lapsos desconectados. Inclusive a uma fuga que não entendia, ou a de repente estar em céu aberto com dois garotos estranhos.

Trevor e Oliver. Ele nunca soube o que eles eram ou sobre a transferência de sua alma para o corpo de seu irmão gêmeo, muito menos sobre a complexidade daquele mundo. Só sabia sobre sua amnésia e em como apagava com frequência, acordando como um adolescente abandonado nos lugares mais estranhos onde podia estar. E, por que não, mais perigosos?

Talvez o mais notável desses surtos tenha sido o do acidente de uma usina elétrica de uma pequena cidade inglesa, onde ele e poucas pessoas sobreviveram, sendo resgatados por um grupo de médicos da Cruz Vermelha. Dois deles em especial, Eric e Hayle Dubbler, que após diversos questionamentos e procura por familiares acabando adotando o menino como um filho e o chamando de Willian James Dubbler, em homenagem à cidade de Willenacker, onde ele foi achado.

Eric e Hayle não eram ricos, sendo melhores descritos como uma família inglesa de classe média moradora de uma cidade minúscula, mas sem sombra de dúvidas, aquela foi a época mais feliz da vida de Will. Ele tinha duas irmãs mais novas, Anne e Ashley, e as adorava. Assim como uma boa escola, mesmo que constantemente quase reprovasse de ano, devido às suas crises de falta de consciência e a viver grande parte do ano internado no hospital por um diagnóstico errôneo de epilepsia.

Falando em hospital, ele adorava aquele lugar, tendo aprendido muito seus pais adotivos enquanto estava na pequena cidade de Mayfarm e, desde então, decidindo optar pela medicina quando estivesse formado. O que demoraria a acontecer, graças a uma oferta irrecusável oferecida por um grande magnata inglês, senhor Crow, cujo o nome era conhecido, mas o rosto totalmente anônimo na mídia.

"Senhor Dubbler,

Visto suas notas na antiga escola, venho lhe oferecer uma ajuda financeira para estudar na renomada academia Cross."

Uma boa ação desmedida? Claro que Will achou estranho na época, mas, diante de tanta bondade, o garoto acabou aceitando a bolsa na renomada academia. E foi lá também que arranjou grandes amigos como Eric, Hecate, Lohanne, Marsshal, Lewis e Tohru. E, principalmente, Sakura, a pequena japonesa que fora o seu primeiro amor e sua primeira namorada.

Will era tímido em verdade e nunca fora de se relacionar muito bem com as pessoas, mas com tais amigos ele conseguia se dar incrivelmente bem, e com o tempo, a academia se tornou uma segunda casa, mesmo diante dos acontecimentos bizarros que vinham lhe cercar. Monstros, ataques... Aquilo para si não pareciam fatos melhor explicados do que as consequências da criminalidade frequente. E, que grande fora seu erro.

Descrença ou talvez concretismo demais. Assim acabou o seu sonho adolescente no meio do ano letivo, com um ataque do qual não recordava e também por meio da dor que fora a magia para a retirada de sua alma do corpo de Charles. Mesmo que alquebrado, fora quase uma sorte o velho tê-lo recuperado há tempo do selo no corpo de Charles ter sido desfeito. O sangue de puro sangues é forte afinal, e a presença do outro, o teria tragado. Não que Will saiba disso, afinal.

Nem ao menos em como o velho captara o sangue do outro para a magia, ou em como seus dias de pessoa comum viriam a mudar, quando voltara a ser quase si mesmo e somente isso.

Quase porque afinal, o selo que o deixava como humano não podia ser quebrado tão cedo, não até que esse se recuperasse. E também porque não podia voltar para sua família adotiva. Era um risco, Murtagh, seu avô, tinha lhe explicado. Ele era Willian James Kluterz agora e teria que viver em um mundo mais sombrio, além de ser seu herdeiro, muito embora o sobrenome que compartilhasse não pertencesse a mais que um ramo menor de alguns subservientes deste.

O nome Fallneaves é amaldiçoado. Lhe dizia o velho, e ele queria o seu bem, portanto poderia ser seu herdeiro dessa outra forma, e também ser-lhe mais útil em uma pseudo-convivencia para o bem de todos.

Willian James Kluterz não era um hunter, nem um humano, nem um vampiro. Era apenas o herdeiro de um puro sangue com a junção dos três, e ainda assim não pertencente a nenhum grupo. Apenas a Murtagh, sua ambição é mentira sobre o bem comum que ele teria que alcançar.

E por isso, Will treinou e treinou e treinou nos dois anos seguintes sem descanso, descobrindo seus dons e seguindo ordens sem questionar. Sendo treinado em todos os sentidos e manipulado mentalmente, até que nada de antes sobrasse. Que ele fosse apenas o neto não pródigo de Murtagh e o velho decidisse, por bem, mandar-lhe pra academia. Seus objetivos? Não se sabe. Mas talvez fosse a hora que seu sangue voltasse a se tornar proeminente. E, por que não, para colocar seus dois netos em um lugar sem Kaname Kuran, para sondar o terreno onde mais tarde pretendia pisar?