A cabeça de Icaru doía, seu corpo estava frio devido a neve presa em suas roupas, que se condensaram no percurso de volta para… para onde?
As imagens do sonho que acabara de ter foram tão nítidas e reais, o gosto do álcool amargava em sua boca e ele sentiu o estômago revirar.
Ainda de olhos fechados ele sentou-se na cama, seu corpo inteiro doeu e reclamou daquele movimento e ele respirou fundo, tentando juntar todos os pedaços dentro de si, sentia como se tivesse levado uma surra.
Ainda zonzo e perdido, ele ouviu aquela voz em meio aos seus sentidos nublados, ele sentiu aquele perfume em seu quarto, sobrepondo-se a todos os outros sentidos dos vapores de álcool em seu sangue.
Ele estremeceu, seu corpo sentiu-se ainda mais gelado a medida que sua visão turva ganhava foco e via a garota ali no chão daquele quarto onde ele estava. Aquilo era real?
“Yumi…” - a boca dele abriu e fechou, apenas o ar escapando por seus lábios enquanto ele tentava entender o que a menina falava. Ela parecia furiosa, magoada, ferida. Com o que?
De repente uma verdade acinzentada se desenhou em sua mente. O som do vidro da garrafa se estilhaçando, o som da cadeira, a chuva de notas de dólar verde, os xingamentos. Aquilo não fora um som? Os olhos verdes azulados de Icaru fitaram aquela garota no chão e de repente era como se ele tivesse tomado um soco no estômago.
Ele permaneceu ali alguns segundos, paralisado, perdido entre aquela estranha sensação de real e irreal, sentindo dentro dele a sensação de amargura tomar conta, sentindo que havia se feito algo terrível e que não poderia ser desfeito.
Estava ainda zonzo, ainda havia muito álcool sendo queimado em seu organismo e, mesmo sendo um vampiro, era fraco e o efeito era quase o mesmo do que no organismo de um humano.
Uma parte dele desejava mais do que tudo cair no chão ao lado da caçadora ruiva e implorar perdão, dizer que aquilo tudo era uma mentira e que ele jamais diria aquelas coisas se estivesse sóbrio. Mas não estava e uma parte dele sabia que, em todo seu orgulho, era tudo o que ele queria ter dito.
Sua razão lhe dizia que, embora Yumi Campbell jamais lhe tivesse pedido qualquer coisa, ele estava ferido e orgulhoso demais, sabia que teria feito aquilo de qualquer modo, em algum momento.
Seus sentimentos frustrados eram exclusivamente culpa sua, mas ele despejou tudo aquilo sobre ela, como se ela tivesse qualquer obrigação de aceitá-lo. Quando ela havia ter dito sentir qualquer coisa por ele? Ele quem decidira aquilo, dentro dele, sozinho.
Ele olhou em volta, olhou para sua roupa toda úmida e suja, o quarto onde estava era seu quarto na associação. Aquele simples movimento vez seu cérebro se revoltar e sua cabeça latejar.
O que ele poderia fazer afinal? O que mais ele poderia fazer para remediar algo que parecia não ter mais solução?
Talvez fosse mais do que hora de deixar Yumi partir, de afogar aquele sentimento em seu coração, afinal, depois de tudo que havia dito e feito, depois de todas aquelas ofensas, pouco acreditava que teria qualquer esperança em conquistar a confiança de Yumi.
Ele fechou os olhos novamente, tudo nele parecia se desfazer em mil pedaços, em mil gotas de álcool que embebedavam os sentimentos dele.
-... - ele tentou falar qualquer coisa, a garganta seca arranhava, seu hálito estava terrivelmente fétido pela bebida e tudo o que conseguiu foi se inclinar para frente, para fora da cama e vomitar uma grande quantidade da bebida que havia ingerido.
Ele arfou, vomitando novamente, sujando o chão ao lado da cama.
Decadente, era tudo o que havia sobrado dele, preso em suas próprias ilusões, criando um mundo onde aquela jovem ruiva era tudo e era nada ao mesmo tempo.
Ele levou a mão ao estômago, sabia que naquele momento ela certamente estaria olhando para ele, o odiando ainda mais, mas não havia mais o que ser feito. Ele fechou os olhos, rezava para que ela apenas fosse embora naquele momento.
Era estranho como ele estava ansioso por vê-la, por falar várias coisas, por perguntar… e de repente tudo aquilo havia se desfeito. Era como se aquela lembrança fosse distante, de outra vida e ele simplesmente não era mais aquela pessoa. Ele não era mais o jovem doce de antes. Estava amargurado por uma decepção que ele próprio criara.
“Yumi… adeus… espero que um dia possa me perdoar…” - ele deixou-se cair na cama novamente, levando um dos braços sobre a cabeça. Não sentia mais forças para tomar qualquer atitude. Estava sujo, com frio, bêbado e ainda mais amargurado.
Ele se ergueu apenas o bastante para arrancar o cachecol cinza e o casaco molhado e voltou a cair no colchão. Sentia o peso da própria decepção, das próprias ilusões, todos caírem sobre ele com o peso de uma realidade que ele havia trazido à tona.
Se ele a amava tanto, por que feri-la tão profundamente?
Ele arrancou as próprias calças, ainda fingindo que ela não estava ali e puxou a coberta sobre si, como se aquilo fosse realmente protegê-lo de alguma coisa, da própria vergonha talvez.
Ele fechou os olhos, a cabeça latejando, o coração ainda mais e mais pesado. Ele sentia vontade de sumir, sentindo uma linha quente sobre seu rosto, o rastro de uma lágrima solitária. Há quanto tempo ele não chorava mais por aquela dor? Aquilo havia se tornado em obsessão e só poderia culminar em ódio. Talvez tivesse sido exatamente isso. Ele criara uma imagem dela para conseguir finalmente odiá-la, mas tudo o que conseguiu foi que ela o odiasse.
Ele respirou fundo, aquilo era um pesadelo? Não, não era um pesadelo, ela ainda estava ali e ele sequer se mexia, não se achava digno de dizer qualquer coisa a ela depois de tudo o que havia feito. Ela ainda o trouxera para casa. Por que?
Aquilo o cortou por dentro, uma pequena chama se acendendo em meio ao frio, mas ele logo a apagou. Não queria criar esperanças falsas novamente.
Deveria ao menos agradecê-la depois de tudo aquilo? Ele tinha aquele direito?
Ele abriu os olhos, encontrando novamente a garota ali. Ele permaneceu em silêncio apenas encarando. Talvez o certo fosse deixar que ela o odiasse, o xingasse e saísse dali. Ele não revidaria, estava a mercê de qualquer ação dela pois, além de tudo, agora se sentia apenas um covarde.